sexta-feira, 29 de junho de 2012

Um romance boêmio




  Como sempre as noites vinham regadas a meia luz. Lá estava eu num canto de parede com meu whisky cowboy observado aqueles tantos andarilhos da noite, por sinal, nada me surpreendia. Na verdade há algum tempo nada me surpreendia, mas foi então que vi em uma mesa longe da minha algumas senhoritas a conversar e gargalhar por várias vezes e entre ela uma misteriosa mulher que me chamou a atenção e aos poucos os goles do velho Jack iam a tornando cada vez mais enigmática.
  Mas sem esperar ela veio em minha direção, sentou e perguntou.
- Como é olhar tanto para uma mesa de mulheres há conversar?
- Eu? Olhando para uma mesa com mulheres há conversar? De maneira alguma. Estava olhando pra você enquanto conversava, é diferente. – As doses desciam casa vez mais aquecedoras enquanto aquela mulher estava ali, sentada a minha frente me indagando.
- Mas, tal observador viu o que em uma mulher misteriosa com eu?
- Tudo aquilo que se vê em uma mulher misteriosa: O olhar, apenas. – E assim ela deu aquele meio sorriso pro lado esquerdo da boca e sentou-se tateando os bolsos a procura de algo. Enquanto isso eu ia imaginando qual seria sua próxima iniciativa, daí ela apenas me olha e puxa um porta-cigarros e me pede por um fósforo. Eu dei.
  Ela parecia ser daquelas mulheres já acostumadas com noites perdidas em meio a pubs, não, ela não era nenhuma santa e muito menos eu estava interessado nisso. Depois de observa-la, sorri e lhe propus um jogo.
- Que tal fazermos um jogo?
- Que tipo de jogo? –Perguntou a mulher com um ar de curiosidade.
- Cada resposta sobre mim é uma resposta sobre sua vida. – Ela olhou meio assustada, mas sem pensar muito aceitou a proposta.
- Então vamos lá garotão. Por onde andavas todo este tempo que hoje vim vê-lo por aqui?
- Hum... Estava entre linhas calçadas, frases bem postas e pontos finais. Termino sempre numa mesa pensando como estão indo as coisas. – Ela riu, tomou o copo pra si, colocou um dosa e tomou-a.
- Engraçadinho você – Disse ela sorrindo. – Bom, sua vez! Faça sua pergunta.
- Você é feliz? – Indaguei sem pensar duas vezes. Na verdade, nem sei ao certo o porquê de tal pergunta, apenas queria saber. Mas ai ela me olha, parece ainda processar a pergunta, acho que também tentando entender o porquê da pergunta.
- Bom... Sim, sou feliz. Bastante por sinal. – Ela responde rápida e querendo evitar meus olhos. Certo. Pergunta respondida. – Agora vamos falar de outras coisas, essa brincadeira começou a ficar meio sem graça.
- Certo você decide – Ela parecia não ter gostando da pergunta, algo a incomodava. Fiquei me perguntando se as noites que ela passava aqui seriam para preencher, esquecer ou afogar algo. Penso que sempre procuramos algo no intuito de substituir outra coisa que já não temos.
Conversamos por bastante tempo. A madrugada se estendia, tateei meus bolsos a procura de meu relógio de bolso. Encontrei-o, olhei a hora, já marcava 03:14 da manhã. Precisava ir.
-Vou pedir-lhe licença, pois tenho de ir. – A noite já tinha se esgotado para mim, a bebida também. Então ela olha pra mim acenando com a cabeça como se dissesse “tudo bem”. Levanto-me, deixo o dinheiro da conta sobre a mesa, ponho a cadeira no seu devido lugar e me despeço daquela linda senhorita.
- Foi um prazer ter tido esta noite de boas conversas com a senhorita – Ela levantou-se, pegou seu casaco de algodão e veio em minha direção.
- Vou com você. Minhas amigas ficam bem chatas depois de uns bons drinks. Creio que nossa noite não precise terminar agora.
  Não esperava tal atitude, me surpreendi, mas logo concordei.
  Ok, vamos então. – Minha casa ficava a duas quadras do pub, algumas ruas e lá estávamos prontos para entrar na minha fortaleza.  Levava poucas pessoas até lá, gosto de me reservar em casa e de preservar a casa também. Tudo organizado no seu devido lugar, do menor para o maior e por ordem de importância. Folhas pregadas nas paredes, rabiscos, desenhos sobre a tinta branca da parede.
Estávamos na sala, a cozinha era a esquerda, sem divisórias. Um corredor logo a frente levava aos quartos e banheiro e todo o resto.
- Bela casa – Ela afirmou olhando do tento a baixo.
- Obrigado. Tenho vinho, você quer?
- Depois de umas doses de whisky? Tem certeza?
- Acho que sim. – Dei um sorriso.
  Sentamos no tapete da sala, abrimos um José Cuervo e ficamos ouvindo um bom blues.  Falávamos de música, o ultimo filme da semana e a loucura dos anos que não voltam mais. Assim fomos nos aproximando um do outro, o calor dos corpos foi ficando cada vez mais nítido. Aproximei meu rosto no dela.
- Sou direto, acho que todos deveriam ser assim. Detesto conversas com curvas demais, sabe. Sinto-me atraído por você, sinto vontade de beija-la. – Nesse momento eu já podia sentir e ouvir sua respiração lenta, os lábios se desprendendo um do outro vagarosamente. Já sentia sua boca na minha.
  O suor já tentava desesperadamente resfriar nossos corpos, numa tentativa falha ia escorrendo pela pele. Já não havia blusa, nem camisa. Sapatos? Nem se fala. Vestido e calça já iam dizendo “até logo”. A cama foi nosso leito de prazer. Eu a beijava, mas aquilo não me significava nada. Acho que também estava a procura de algo para preencher aquilo que há tempos tinha perdido.
  Abro meus olhos após o som insuportável do despertador  a tinir em meus ouvidos e com um movimento rápido consigo desliga-lo a fim de reaver minha paz. Desse momento em diante já não conseguia mais voltar ao meu sono. Eram 8:25 da manhã, um domingo.
  Procurei-a ao meu lado entre os lençóis, mas não a encontrei. Ela já tinha partido pensei eu.
- Merda... Detesto acordar cedo. Só espero que ela tenha deixado minha carteira. Ou melhor, espero que ela não tenha levado nada. – Andei devagar, ainda meio desorientado, não tinha necessariamente acordado ainda se é que me entende. Andei e chequei: Garrafas de vinho pelo chão, a bagunça da noite anterior e nada da bela senhorita.
  Ainda podia sentir seu perfume meio adocicado em mim, podia ainda lembrar-me das palavras murmuradas antes da intensa noite entre lençóis. Lembro-me dela como algo mais que uma simples mulher em um noite casual. Ela deixou algo. Recordo das palavras murmuradas ao tom etílico do vinho, ao som do samba baixinho, lembro-me dela ter destilado palavras tristes.
  No mesmo dia a noite fui até o velho lugar de sempre, na velha mesa de sempre, mas ela não apareceu. Tudo naquele lugar pareceu normal sem a presença dela. Ela mudava as coisas, mudava mesmo. Passei dias e dias indo lá, quase uma semana inteira, mas não havia mais mulher alguma, ela tinha sumido como se nunca tivesse existido. Aquilo foi definitivamente estranho.
  No dia seguinte acordo cedo e vou pegar meu jornal. Costumava ler as notícias por jornal impresso, gosto bastante da liberdade que as páginas em papal lhe dão, é bem melhor do que a tela de um computador. Vou foleando o jornal ainda com aquele cheiro de “recém saído do forno” e me deparo com uma notícia na página policial
“Corpo de mulher (27 anos) foi encontrado próximo à estrada principal. Testemunhas afirmam ver seu carro andar em zig-zag, capotar até cair fora da pista em meio ao matagal...”.
  Para mim sou bastou ler até ali tendo em vista a foto da tal mulher ao lado da reportagem. Era ela! Fiquei sem conseguir acreditar, mas então tudo começou a me fazer sentido. As palavras murmuradas, os dias em que esteve ausente, a morte em si. Acaso? Alcoolismo ao volante? Problemas no carro? Tristeza? Acho que esse foi sua causa-mortis, tristeza. Ela era triste e desenganada, não sabia para onde ir e como ir. Ela se cansou.
  Dobrei o jornal, acendi meu cigarro e fui à geladeira. Abri uma garrafa de vinho, a última, enchi meia taça. Tome-a.
- Essa é pra você Bárbara. Até logo. – Me despedi.



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